A obra de Joana Vasconcelos, Piano Dentelle, é simultaneamente concepção visual, musical e performativa; projecto interarte, multisensiorial - hipermodernista - que contou sempre com o inigualável contributo artístico de Jorge Lima Barreto, enquanto pianista.
Ao invés da ficção científica de Kurt Vonnegut “Player Piano”, que retrata uma distopia da automação; mundo pósholocausto dominado por máquinas, sugere-se uma via estética alternativa – do símio ao robot – dum novo humanismo emergente, pela arte que se expressa através de meios radicalmente novos: Um piano preparado controlado por computador.
Inteligência musical de codificação telemática e objectivismo que transporta a obra de arte até à ideia concretizada e idiossincrática : Hypomnema do Real.
Ao centro da obra de Joana Vasconcelos está o “objecto”, interpretado aqui no sentido da fenomenologia. Objecto enquanto ponto de aplicação no mundo físico; inverso de objectos idealizados, como categorias abstractas, linguagens ou mesmo a Arte em si, quando considerada independente da sua realização concreta. “A consciência que tenho do mundo objectivo implica a consciência de outro diferente de mim como sujeito. Um objecto que se apresenta como o polo de identidade de experiências particulares, e assim transcendente à identidade que ultrapassa as experiências particulares” (Husserl, Lógica Formal e Transcendental).
A obra Piano Dentelle Electrolírico insere-se num situacionismo hipermoderno que age sobre a psicose universal. É transversalidade inexplicável, Quasar longínquo que nos revela uma nova ordem para além do Caos (Caos-mose / Caos-sofia). Exploração exponencial semiótica - liberdade plurívoca multicromática – metonímia do instante: Signo que nunca se deixa aprisionar, instabilidade infinitesimal que se propaga a todas as escalas.
A arte de Joana Vasconcelos é paradoxal e polissémica, base do seu questionameto estético. É que o paradoxo, a simultaneidade das contradições, são realmente os fundamentos da nossa consciência - ecos coloridos da memoria e da sensação. Esses jogos do recordar e do (re)conhecer lembram a desaparecida Arte da Memória, do antiquíssimo hermetismo dos egípcios, de Simonides de Ceos até R. Flood e G. Bruno: o fundamental é revelar à consciência do microcosmos o mundo infinito que ela contém. A única faculdade realmente humana é o oculus imaginationis.
Piano Dentelle Electrolírico é uma nova oportunidade para compreender que o pensamento racional não necessita de ser linguístico, que é perfeitamente lógico raciocinar através da cor, da forma, ou do som enquanto fenómeno musical. Explora assim todas as possibilidades – diagrama de Voronoy em dinâmica permanente – Entropia em busca do Zero – como a Luz, que, segundo a Física, segue a Lei da Acção Mínima, independente de qualquer curvatura espacio-temporal de Einstein.
Em Monmatia tudo está em permanence involução-evolução: Tanto Hipérbole como Lítotes – 241 modo de afirmar por meio da negação do seu contrario. Carta geográfica da psique. Joana Vasconcelos propõe a sua obra como labirinto em linha recta (o maior medo de Kant), direccionalidade por entre a obscuridade. Suspende-se a acção do pianista por um encantamento androide, nova aliança da tecnologia e da expressão artística, enlace das Ars Rotunda / Ars Quadrata, no teatro da existência no qual se revelam todas as expressões humanas. Zodíaco-Celestial e terreno. Memória para imagens, para locais, para sons, ou palavras das quais florescem fluxos conceptuais.
Segundo Wang Fuzhi, a alternância é própria da realidade e da Arte; o ritmo da mudança; verão que se segue a primavera; calor que se segue a frio; potêncial dinâmico em busca de concretizar-se.